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Trabalho final

Eu te vejo em mim

A série de fotografias "Eu te vejo em mim" forma a proposta final desta homenagem à minha tia C., em meio a um processo de luto que tem como testemunhas imagens e objetos. Vestindo uma de suas roupas que herdei, carregando o colar de dentes de macaco do guerreiro, integro-me na paisagem - e no gabinete de curiosidades - que é o meu quarto. Penso na roupa como uma metonímia da identidade - uma parte significativa do todo. Aqui, o corpo como expressão do meu próprio mundo vivido é atravessado pela expressão do que era o seu mundo. Considero o vestuário como elemento simbólico, que fala muito sobre alguém, por meio de sua funcionalidade, de suas formas, da maneira como é apresentado e reveste o corpo, pois a aparência das coisas é, por si, uma categoria analítica importante sobre as representações e o meio sociocultural. Neste sentido, o texto "O Império do Efêmero", do autor Gilles Lipovetsky, tornou-se uma referência para a elaboração teórica desta proposta, por pensar no vestuário como:

a exigência de ser si mesmo, a paixão das marcas da personalidade, a celebração mundana da individualidade tiveram por efeito favorecer a ruptura com o respeito da tradição, multiplicar os focos de iniciativa e de renovação, estimular as imaginações pessoais, doravante à espreita de novidades, de variações, de originalidade (LIPOVETSKY, 2009, p. 53).

Ao pensar no par individualidade/originalidade, a roupa funcionou como forma de unir algumas das características de minha tia com as minhas. A renovação, a possibilidade de existência, foi relacionada com a vitalidade que passa a aparecer em mim, por ser aquela que permanece no mundo terreno, no mundo das aparências.
No campo das artes visuais, o trabalho da artista Marga Puntel, "Narrativa presença ausência" (2002-2005), influenciou a minha poética, por pensar a questão da mimese e da possível integração com a paisagem. No texto publicado no site do Paço das Artes, a autora Daniela Maura Ribeiro descreve que, na proposta de Marga,

o ser humano não participa da paisagem da maneira habitual, isto é, como um visitante ou fruidor. Ele a adentra para ser paisagem. Logo, a intenção da artista não é registrar — pura e simplesmente — a paisagem e suas nuances ou flagrar nela os seus visitantes. Ao contrário. O interesse de Marga é o de pré conceber uma situação para determinada paisagem e encená-la (ela própria ou uma terceira pessoa — a exemplo de outros trabalhos) de modo a nos causar a dúvida se a paisagem, diante da qual estamos, é real ou artificial.

Assim, em meio as minhas roupas e as da minha tia C., enceno essa mimese e adentro a paisagem do meu quarto, misturando o meu corpo com os objetos. Sobreponho, mesmo que por um momento, a expressão de sua existência e a minha lembrança de seu corpo no meu próprio corpo, nessa paisagem. Aqui, a ação provoca uma fusão de universos, que conforma o meu mundo vivido.

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2009.

M. RIBEIRO, Daniela. Marga Puntel - Narrativa presença ausência. 2005. Disponível em: https://mapa.pacodasartes.org.br/page.php?name=artistas&op=detalhe&id=15efb821-08e2-4b99-af2d-5bb04b36466b. Acesso em: 25 abr. 2022.

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