LUÍSA LOPES
II - Espaço vivido
5 coleções de objetos
Os objetos que compõem as 5 coleções apresentadas à disciplina Projeto Avançado Espaço, Tempo e Forma, fazem parte de meu universo particular, o “gabinete de curiosidades” em que habito, o meu quarto. No íntimo desse acervo, itens que fui encontrando durante a vida, ao caminhar pelo mundo, misturam-se com itens que pertenceram à minha tia C., que não chegaram a mim como uma herança propriamente dita, mas que escolhi, ao adentrar o seu próprio gabinete de curiosidades, após sua morte em 2020. Parte de sua coleção tornou-se minha e não sei a origem ou significado destes objetos, nem o critério de classificação que ela utilizava para organizá-los. Pensando enquanto um gabinete de curiosidades, os objetos do meu quarto "são representantes do universo que se deseja conhecer, possuir, apresentam o que não se pode ver, o que está distante" (RAFFAINI, 1993, p. 161). Assim, aqui, vida e morte misturam-se e os objetos são ressignificados.




Qual é o limite entre vida e representação? Nesta coleção, insetos mortos e pintados por mim, recolhidos na rua, são colocados junto a um pôster de uma pintura de coleção de insetos.




Coisas que me conectam com a vida lembram-me que a morte existe. O cálcio me faz lembrar do calcário, que me lembra do mar e dos ossos, que me lembram da maresia e da água salgada que eu sinto nos olhos, quando me lembro de você. Não sei de quem são os dentes. Limpei estes corais com água sanitária. Não sei em qual praia deste mundo você achou estes dois pedacinhos de coral, mas inventei uma história bonita na minha cabeça. Não sei há quanto tempo a tartaruga dona deste casco morreu na praia. Carrego o seu colar de dente de macaco que dizem ser o colar do guerreiro.




Não sei se estes dentes eram seus, sequer se eram da mesma pessoa. Não sei o motivo para estarem em uma caixinha de fósforos. De qualquer forma, é a coleção que mais tem a sua cara e que agora pertence a mim. Sinto saudade.




Sei que você gostava de Camel. Acho que guardou este maço de alguma viagem especial. Não sei por que estes cartõezinhos colecionáveis estão guardados aí, mas eles me fazem lembrar de você e da minha infância. Que ironia ver o padre, o herói e a princesa, o casal e a fantasminha com um buquê. Lembro-me que você me chamava de “minha florzinha”. Todo esse tempo nunca te vi fumar.




O Camel, o filtro, as caixinhas de fósforos e o tabaco. Não foi você quem os fumou. Na verdade, das coisas que você deixou, nada servia pra fumar. As bitucas são da minha própria coleção. O tabaco virou cinza, enquanto pensava que nunca vou saber como você morreu de verdade. Disseram-me que foi câncer de pulmão (não quero que aconteça comigo). Você foi cremada e eu não estava lá, quando espalharam as suas cinzas. Esse é um péssimo ritual, mas que me lembra de você.
RAFFAINI, Patrícia Tavares. Museu contemporâneo e os gabinetes de curiosidades. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, v. 3, p. 159-164, 1993. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revmae/article/download/109170/107661/ Acesso em: 21 ago. 2021.